Histórico dos Índios da região

 OS PURIS E BOTOCUDOS

 

O território capixaba por muito ficou desolado e até mesmo proibido à exploração do seu interior. Lá por meados do séc. XVIII nos sertões do território brasileiro, ainda dividido em capitanias, encontravam-se espaços pouco conhecidos, temidos e desejados, com muito ouro, terras férteis, lugares de risco e perigo, áreas fracamente ocupadas pelo homem branco e, no caso do leste da capitania, habitadas pelas tribos indígenas dos Botocudos, Coropós, Coroados e Puris.

 

Os Puris estavam distribuídos em grupos desde o Rio Paraíba, penetrando na parte oriental de Minas Gerais, e os Goitacás desde o Baixo Paraíba e Macaé, até o Espírito Santo. Nesta área havia duas principais nações de tapuias: os Guaymorés ao norte e os Guaytacás ao sul, hoje conhecidos como Aimorés e Goitacás.

 

Quanto aos costumes e hábitos indígenas, a contradição da busca por riquezas pelos portugueses e a indiferença do índio pelas coisas materiais eram fatores que o homem branco não conseguia compreender, pareciam exóticos, incompreendidos e mal-interpretados. Eram opostos extremos, os índios almejavam a harmonia com a terra para o seu sustento e o europeu buscava apenas a riqueza, adentrando a mata e tomando posse do que antes era de todos, e que, a partir de então, passaria a ser do homem branco.

 

Os Puris eram hábeis pescadores que viviam originalmente no Litoral do Espírito Santo e Rio de Janeiro. A partir de 1500, porém, com a chegada dos portugueses, foram obrigados a se adaptar e se refugiar nas frias regiões montanhosas, além de encurralados pelos europeus, temendo a escravidão imposta pelos brancos, algo que estes índios abominavam. Sabiam-se também encurralados por algumas tribos mais selvagens como os Botocudos, considerados antropófagos, que dominavam o Vale do Rio Doce.

 

Desde o início da colonização têm-se notícias da catequização dos Puris e Botocudos pelos padres da Companhia de Jesus no aldeamento da Fazenda da Muribeca, como foi dito anteriormente, local responsável pelo primeiro grande passo dado à colonização do sul do Espírito Santo. Ao longo dos tempos, houve uma real participação indígena, quando da contribuição jesuítica na catequese dos silvícolas, ao utilizar maciçamente esta mão de obra escrava, desde a época da extração do pau-brasil, entre outras. Estes índios habitavam regiões próximas ao Caminho Velho e o Caminho Novo. O Caminho Velho iniciou-se por Parati, no RJ, porém em 1725 o Caminho Novo começou a ser criado, abrindo-se novas picadas na mata, o que resultou na inevitável expulsão dos índios da região.

 

Com a descoberta do ouro nas proximidades, os bandeirantes passaram a investir nesta região e a partir de 1780 começou um verdadeiro extermínio aos Puris. Com a crise do ouro, existia a preocupação em aumentar os campos de minerações e, sabendo-se da existência de ouro na região, de imediato organizaram-se expedições, sendo a primeira em Julho de 1780 por um ano, quando ocorreram várias mortes e escravização de índios Puris.

 

A segunda expedição, de Julho de 1781, foi mais desbravadora ainda. Abriram-se caminhos por toda a região, seguida de distribuição de terras e incentivo à mineração e à agricultura. Os conflitos entre índios e brancos se tornaram então cada vez mais frequentes e contínuos, acarretando na matança dos índios que não eram considerados pelos "invasores", ou melhor, pelos europeus, donos das terras, nem seres dignos de respeito. Com isto, viu-se a necessidade de intensificar o processo de "civilização", criando aldeamentos sem nenhum critério, misturando-se tribos e etnias diferentes, introduzindo a eles os valores europeus, sem nenhum respeito à sua cultura nativa. Foram ações devastadoras contra a cultura indígena, por esta convivência egoísta e arrebatadora face ao "empreendedorismo colonizador" de então.

 

Na região do Vale do Rio Doce, as riquezas eram muitas, o sal era profusamente comercializado e chegava do litoral com preços inflacionados até alcançar o interior. (resumido da Revista da Sociedade Geográfica do Rio de Janeiro, Tomo IV, Ano 1888, 8o. Boletim "O Vale do Rio Doce" por William John Steains).

 

Como podemos ver, os brancos adentraram a mata fechada, favorecendo embates entre os exploradores e os índios. Os índios que se rebelavam, ou aqueles que não se submetiam, eram caçados e praticamente exterminados, através inclusive de guerra bacteriológica principalmente com o vírus da varíola introduzida nas aldeias através de presentes. Também eram comuns massacres promovidos por soldados do governo e até mesmo o estímulo de guerras entre tribos, além de matanças isoladas, promovidas por fazendeiros, que se viam no direito de eliminar "obstáculos".

 

Os Puris foram descritos como calmos e receptivos por alguns e valentes e armados, por outros, de fato, podemos perceber que o homem branco facilmente os combateu, muitas vezes, amansando-os nos aldeamentos. Também há relatos descrevendo os Puris como traiçoeiros e desumanos com os homens brancos, contudo esses atos podem ser considerados como resistência contra as agressões para defesa de seu território, sua família, sua tribo.

 

O significado da palavra Puri, em tupi, pode ser "… gentinha ou povo miúdo ou comedor de carne humana", contudo este segundo não pode ser comprovado apenas pelos relatos dos viajantes da época. Para o autor Cláudio Moreira Bento:

 

"…Não se conhecia fato algum de um Puri que haja matado um branco. Quando os brancos embrenhavam-se na mata para colher a planta medicinal poaia, ao encontrarem os Puris estes se punham a correr arriscando-se furtivamente a apanharem para seus usos as ferramentas dos brancos. O próprio nome Puri significava na língua deles gente mansa ou tímida."

 

Os índios Puris são identificados como descendentes dos Coropós e Coroados, ou muito parecidos, também em seus aspectos culturais, como descreveram os cientistas Von Spix e Von Martius nas expedições realizadas no início do século XIX. "Estes indígenas como todos os de outras tribos em geral apresentavam os seguintes aspectos físicos: baixos ou de estatura mediana, robustos, largos, achatados, pescoço curto e grosso, formas arredondadas, pés largos e dedos grandes, pele macia de cor parda-escura, cabelo comprido liso de cor negra, sem cabelo nas axilas e peito, rosto largo, testa estreita, nariz curto, olhos pequenos, boca pequena e dentes claros".

 

Os Puris tinham sua sociedade composta por um chefe, por um pajé e homens e mulheres com funções distintas. O chefe era eleito pela astúcia, braveza e habilidades de guerreiro e não tinha poder efetivo sobre seu povo: Ao pajé se destinavam as tarefas religiosas e rituais de cura; aos homens cabiam a fabricação de armas, a caça e a guerra; as mulheres cuidavam da colheita, de recolher as caças abatidas e cuidar das vasilhas e demais utensílios usados na tribo.

 

Cada índio podia escolher mais de uma esposa, eram polígamos. A sociedade indígena desta espécie não exercia a agricultura nem a navegação, retiravam da natureza seus meios de subsistência. Por isso, viviam em habitações provisórias como nômades.

 

Houve relatos de moradores antigos de Muqui, como Reginaldo Ramos em 1856 e, décadas mais tarde, Olavo Macedo, que a Fazenda Verdade em Muqui continha aldeias de índios Puris. Diz-se de 60 aldeias na região. Estes índios não gostavam de trabalhar, escondiam-se na floresta ao perceber que seriam recrutados, só aderiam quando pegos de surpresa. Adoravam ser presenteados, escapando depois, porém deixavam os desbravadores certos de que não seriam atacados. Gostavam muito de cachaça e eram ótimos arqueiros. Como se tem notícia, os Puris coabitavam com alguns homens civilizados na região entre o Itapemirim e o Itabapoana, como é o exemplo de Cândido Martins, conhecido por Candinho dos Puris, que controlava os Puris, a quem obedeciam fielmente.

 

Eram devotos de várias entidades poderosas, contemplavam a natureza e seus fenômenos como deuses. Usavam colares protetores para afastar animais ferozes. Ressaltava-se o papel do pajé como símbolo maior do poder da religião entre os índios. Após o falecimento, eram colocados em vasos de barro junto a seus pertences e sua habitação abandonada por medo do espírito do morto.

 

Já os Botocudos pertenciam ao tronco macro-gê (grupo não tupi-guarani) como os Goitacás e viviam do sul da Bahia ao norte do Espírito Santo, na região do vale do Rio Doce e nas bacias dos Rios Mucuri e Pardo. O termo botocudo é a denominação dada pelos portugueses aos indígenas pertencentes a grupos de diversas filiações linguísticas e regiões geográficas, sendo que a maior parte usava ornamentos arredondados, como botoques labiais e auriculares, às vezes até de grandes dimensões, forçando as mucosas, conferindo-lhes aparência particularmente assustadora.

 

Também chamados de Boruns, Aimorés ou bugres, caracterizavam-se por sua violência; eram muitas vezes ferozes e supunha-se que praticassem inclusive o canibalismo, atacando aldeias de Puris ou de Goitacás, seus adversários tradicionais, ou caravanas de viajantes e até fazendas de sesmeiros, incendiando o que encontravam no caminho. Já domesticar os Botocudos, ferozes e antropófagos, era muito mais difícil. O Governo Português animava desbravadores com altos favores, mas para dominar estes índios precisaria declarar-lhes guerra crua e ofensiva.

 

Os botocudos não eram nada bonitos, de pele escura, de tom azeitonado, peito largo, braços e pernas magras, mas musculosas, eram hábeis na manipulação do arco e flecha, excessivamente fortes, feitos da firme, mas flexível madeira da palmeira brijauba. Casavam-se com mulheres muito mais novas; um rapaz de 20 anos poderia casar-se com uma tenra rapariguinha ainda de 9 anos, que cedo perdia o frescor da juventude. Como um velho de 80 anos poderia casar-se com uma menina de dezessete. As mulheres eram surpreendentemente claras. Morriam tarde, aos 80 anos eram considerados jovens.

 

Eram nômades e deixavam rastros pela floresta para ajudar a serem encontrados por alguns índios que se desgarravam. Os botocudos viviam principalmente dos frutos de três tipos de palmeiras, sendo que as mulheres mastigavam os cocos duros e oferecia à boca de seus pais e filhos. Os homens ocupavam-se da caça e pesca enquanto as mulheres cuidavam de colher os cocos e de outros afazeres inclusive o de edificadoras de cabanas. Usavam os botoques e grosseiros colares de sementes. Eles podiam ser polígamos, mas eram sabedores das dificuldades para criar as famílias perante as dificuldades na floresta.

 

Criam num certo grande espírito (coapã) que ficava zangado. Criam que quando um morria, sua alma ficava vagando, da mesma forma que poderia voltar a assombrar os que lhe maltrataram em vida e a beneficiar os que lhe fizeram favores ao longo da vida. Tinham uma ideia sombria do demônio que achavam que morava dentro de uma coruja que emitia gritos agudos na calada da noite. Naqueles tempos, diziam que nos últimos 380 anos cerca de 7.000 índios ainda teriam que ser catequizados.

 

Alberto de Noronha Torrezão que compilou o Dicionário dos Puris em 1889 inclui, ao final, um veredicto de um dos índios que entrevistou que disse ter assistido à guerra dos Coropós com os Botocudos. Tendo acompanhado os primeiros, atravessou duas vezes o Rio Doce em perseguição dos segundos, tendo perdido um irmão nestes combates. Cita também que o terreno aquém do Rio Doce ficou limpo de Botocudos, pois os mineiros, tendo acabado com os Puris, fizeram com que quando ui oUR nário dos PURIS mucosas, como os Botocudos voltassem mais uma vez para o sul. Dizimados como se encontravam os Puris e Coropós, não puderam resistir aos Botocudos, a não ser mais para o norte, para os lados de Muriaé (MG) onde estavam outros grupos de Coropós e Coroados.

 

Os povos tupi-guarani, como os Goitacás, caracterizavam-se pela prática ceramista, pintando nas cores vermelha, marrom e preta sobre a branca. Tinham o costume de sepultar seus mortos em grandes urnas funerárias. Montavam machados de pedra polida. Sua agricultura era incipiente. Uma forte curiosidade sobre os povos do grupo Jê, caso dos botocudos, é que eles estavam muito à frente do homem civilizado no que diz respeito a anticoncepcionais. As mulheres da tribo tomavam um chá de uma raiz, me-krá-ken-diô ficando estéreis por largos períodos. Tomavam outro chá, da raiz do tairanil, como antídoto ao primeiro.

 

Em geral os índios eram zelosos, ciumentos; nem os pais ou irmãos podiam tocar no corpo de suas esposas, mesmo sem más intenções, o que levaria a incorrer imediatamente na inimizade do marido que juraria vingar-se. Mas não proibiam suas mulheres a saírem pelos matos à procura de raízes, enquanto estivessem fora caçando ou tirando mel de abelhas. A adúltera, ainda que pega em flagrante delito de infidelidade, era marcada na coxa por um golpe, o que servia de patente irreversível aos olhos da tribo, visto que andavam completamente nuas. O adúltero, porém nunca escapava da flecha mortífera do marido ultrajado. O marido ficava o tempo que fosse de tocaia esperando o amante, sem comer, sem beber, até saciar a sede com o sangue inimigo. Muitos mineradores perderam a vida por alguns abusos libidinosos perante a nudez das índias.

 

Até pouco tempo julgava-se extinta a cultura e o povo Puri, porém, mais recentemente, tem-se notícia da existência de inúmeros descendentes que guardam a língua, a história, os costumes e outros saberes, além de marcarem presença no folclore e no imaginário religioso. Os Índios Puris são lembrados até hoje através de suas heranças culturais, podendo-se destacar a Dança de Caboclo por regiões mineiras, uma das mais importantes manifestações folclóricas daquela região.

 

De acordo com pesquisas realizadas, esta dança era praticada pelos próprios índios Puris. Com o passar do tempo e devido à forte perseguição à sua cultura, principalmente à de maior expressão, como as danças e rituais religiosos, o costume foi sendo esquecido pelos remanescentes inibidos, ou talvez proibidos de cultuar e praticar seus costumes. Embora houvesse leis que tratavam de impor que os índios não fossem exterminados, mas como em toda história brasileira e, nesta região não seria diferente, a extinção dos indígenas ocorreu.

 

Os índios Puris só conseguiram sobreviver por mais tempo devido à sua imersão em matas e serras de difícil acesso. Os Puris sumiram da área sem deixar rastros não existindo sinais de quando partiram. Até o final do século XIX, mantinha-se boa parte de sua cultura e costumes, alguns destes ainda preservados por famílias que se dizem descendentes destes indígenas. Com esforço e dedicação podem ser realizadas pesquisas e escavações arqueológicas nos sítios e fazendas por toda região sul capixaba e norte fluminense para resgate de uma definitiva fonte de pesquisa sobre os índios que habitaram a região. Além de é claro fornecer material que confirme que a ocupação do sul capixaba foi diferente de todo os demais pontos do Estado.

 

 

IDIOMAS DOS ÍNDIOS DA REGIÃO

 

Segundo grande parte dos estudiosos modernos, os Goitacás falavam uma língua parecida com a dos Puris e, ainda segundo eles, os Puris e os Coropós seriam os descendentes da mescla entre Goitacás e Gês do sertão, lembrando que ambos eram do tronco macro-gê e viveram na mesma região geográfica, embora em épocas diferentes. Infelizmente, não nos foi legado algum dicionário Goitacás-Português.

 

Um padre jesuíta chegou a compilar um através os Goitacás agrupados em um aldeamento Tupi, mas a obra não sobreviveu no tempo. O padre Manuel Eufrázio de Oliveira, sucessor do padre Francisco das Chagas Lima (1757-1832) que catequizou esses índios quando foi pároco de Queluz na divisa entre os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, mencionou a existência de um catecismo bilíngue elaborado pelo Pe. Francisco e que o teria enviado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Esta principal fonte de documentação dos Puris encontra-se perdida até o momento. O conhecimento dessa língua ficou prejudicado pela falta de documentação. Restam apenas algumas listas de palavras.

 

Cronistas antigos já atestavam que os Goitacás falavam uma língua diferente da língua tupi - era mais "bárbara" e "truncada" e os tupis não a compreendiam. Chamavam estes povos Gês de Tapuias (bárbaros, inimigos). A língua dos Puris era diferente da dos demais indígenas de outras tribos, caracterizava-se por um vocabulário esparso, do qual alguns viajantes fabricaram pequenos dicionários. A língua Puri era falada nos vales do Itabapoana, médio Paraíba do Sul e nas serras da Mantiqueira e das Frecheiras, entre os rios Pomba e Muriaé. Dividia-se em três subgrupos: sabonan, uambori e xamixuna.

 

Da língua Puri existem poucos dicionários. O mais famoso foi editado em 1889, pelo engenheiro Alberto de Noronha Torrezão, responsável pelo melhor material conhecido dos Puris. Em 6 de setembro de 1885 encerra suas anotações com os ensinamentos de dois remanescentes dos Puris, um já idoso e outro seu sobrinho-neto, Manoel José Pereira e Antônio Francisco Pereira, que lhe passaram alguns vocábulos desta língua desconhecida, resultando em uma amostra escassa. Nesta ocasião encontravam-se domiciliados em terras dos Srs. Frades, na localidade do Gramma, a três léguas aproximadamente daquele arraial, o Arraial do Abre-Campo em MG.

 

 

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